Artigo A religiosidade na magistratura de Rondônia

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Artigo "A religiosidade na magistratura de Rondônia"

A RELIGIOSIDADE NA MAGISTRATURA DE RONDÔNIA

RELIGIONSNESS IN RONDONIA’S MAGISTRATURE

 

Nilza Menezes

 

Resumo

O presente artigo aborda a religiosidade dos magistrados do Estado de Rondônia. O tema foi motivado pela observação da realização de encontros direcionados a profissionais específicos, a exemplo do Encontro de Magistrados Espíritas, realizado na cidade de Belo Horizonte/MG. Fizemos um levantamento por meio de questionários, cujo objetivo foi o de perceber as práticas e posturas religiosas dos magistrados.

 

Palavras-chaves: Religião – Justiça – Judiciário - Magistrados de Rondônia.

 

 

Abstract

The presente article broaches the religiosity of magistrates in the State of Rondônia. This theme was motivated through observation of religious meetings directed towards especifc professionals, such as, for example, the Meeting of Spiritualist Magistrates, held in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais. By means of questionnaires, a research was made with the objective of studying the religious practices and postures of the magistrates.

 

Keyords: religion – Justice – Judiciary – Magistrates of Rondonia.

 

 

 

 

O presente artigo busca apreender a diversidade religiosa dos julgadores do Estado de Rondônia. Fazendo uso de um questionário, buscamos apreender como se relacionam com a religião aqueles que são condicionados para agirem com a razão. Tomamos como objeto de pesquisa os magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia e aplicamos noventa questionários. Fazendo uso de algumas informações, vamos estar analisando o comportamento religioso; isso não quer dizer que estaremos apreendendo a religiosidade desse grupo, uma vez que o trabalho que buscamos fazer é objetivo e comparativo, sem a pretensão de alcançarmos questões filosóficas.

A intenção inicial era fazer um levantamento para saber se havia mais católicos, mais evangélicos ou mais espíritas, e acabamos por alargar esse foco para discutir um pouco sobre as práticas religiosas desses profissionais. O interesse da pesquisa deu-se em razão da observação de encontros nacionais com profissionais, a exemplo do ocorrido em Minas Gerais que reunia Magistrados Espíritas e que, na época, conforme publicação no Diário da Justiça, levou ao encontro quatro juízes, sinalizando alguma tendência.

Dos noventa questionários encaminhados, apenas quarenta foram preenchidos. Encontramos alguma dificuldade na análise dos questionários em razão das respostas muito sintéticas e evasivas. As perguntas possíveis de “sim” e “não” eram respondidas, as demais em que se fazia necessário fazer algum comentário eram deixadas em branco. Percebemos haver desinteresse ou defesa em falar sobre religião, em assumir um pertencimento religioso como se o assunto fosse pessoal, quase um tabu, chegando alguns magistrados a questionar sobre o porque de perguntas tão pessoais, ou de questionários não respondidos sob a alegação de que as perguntas eram inconvenientes e sem nenhuma importância prática.

Após a realização de um terço das entrevistas, ampliamos o questionário acrescentando perguntas que pudessem ampliar o nosso foco de observações com o fim de apreendermos um pouco mais as relações religiosas desses profissionais. No primeiro questionário as perguntas eram diretas, perguntava a religião, a religião do companheiro(a), se a religião era por escolha familiar ou por conversão posterior ao ingresso na magistratura e se pertencia à maçonaria. No segundo questionário, perguntamos, por exemplo, se acreditavam na vida após a morte, se compravam objetos em lojas esotéricas, se já tinham ido alguma vez em cartomantes ou benzedeiras etc.

Foi muito comum o fato de os magistrados se reconhecerem enquanto católicos, observando-se, após, que não eram praticantes, mas católicos por terem nascido em famílias católicas e por não freqüentarem oficialmente nenhuma outra igreja reconheciam-se como católicos, e que podem estar definidos, conforme observação de Mallimaci, como católicos e cristãos sem igreja. (1999:83).

As perguntas sobre a participação em práticas místicas e esotéricas, como ir a cartomantes, benzedeiras ou comprar produtos esotéricos foram negadas pela maioria, como uma forma de dizer que isso era sem importância. Essa observação é bastante pessoal e se dá em razão de que em trabalho de campo em locais religiosos como candomblés ou locais místicos pessoas que negaram qualquer participação religiosa com o mundo espiritual foram vistas interagindo com os rituais.

Percebemos também que reconhecer uma pertença religiosa não pareceu tão natural, ocorrendo casos em que a resposta foi apenas cristã, negando, assim, um pertencimento. Essa resposta pode estar escondendo alguma prática que, na verdade, a pessoa não tinha interesse de assumir publicamente, como espiritismo ou candomblé, ou espaços denominados de Nova Era, ou ainda a dificuldade de poder reconhecer-se como pessoa capaz de crer ou participar de atividades religiosas.

Percebemos também que juízes pertencentes aos concursos mais recentes tiveram maior interesse ou aceitação para responder os questionários e que desembargadores e magistrados mais antigos se abstiveram da resposta.

Com relação ao questionamento sobre pertencer à maçonaria, dos oito espíritas três declararam pertencer à maçonaria, enquanto que dos vinte e quatro católicos sete também pertenciam. Essa proporção deve ser levada em consideração o fato de que mulheres ficaram prejudicadas na resposta e o número de mulheres entre as juízas católicas e espíritas é relevante. Dos dois evangélicos que preencheram o questionário nenhum pertencia à maçonaria. Cabe aqui uma observação: temos conhecimento de que o número de evangélicos na magistratura de Rondônia não é inexpressivo, mas foi o grupo de maior relutância para responder ao questionário.

Quanto à participação em outras religiões como Candomblé e União do Vegetal apenas um caso assumido, sendo também um único caso o interesse pelo judaísmo messiânico.

A religiosidade hoje tem apresentando uma grande diversidade.Vivemos o tempo da multiplicidade, do multiculturalismo, em que a orientação religiosa tem sofrido alterações, o que vem sendo registrado como uma característica da modernidade. (Prandi, 1999). William Paden alerta-nos para o perigo ao interpretarmos a questão religiosa, uma vez que sempre estaremos olhando para o objeto religião de um ponto de vista determinado e ainda que devemos estar atentos quanto a qual e de quem é a religião a que estamos nos referindo. (2001:14).

Aqui estamos tentando perceber a religiosidade tomando como base para nossas informações a formação profissional. Todos passaram pelo curso de Direito e buscaram a atividade de magistrados, uma prática que em tempos outros esteve intimamente ligada a religiosidade. No mundo cristão, de onde estamos falando, Juízes, conforme definição bíblica, são aqueles que Deus escolheu para salvar o povo, sendo a ação desses profissionais a de julgar que ainda conforme observação bíblica, tinha a função de comandar e governar. (Bíblia, 1995: 274).

A atividade dos juízes esteve sempre ligada à religiosidade, havendo momentos em que a religião e a justiça se fundiam uma na outra se confundindo. Essa atividade ainda hoje está intimamente ligada à vida política, sofrendo as influências de todo o contexto social, além das percepções pessoais de cada indivíduo. Portanto estamos num campo em que a pluralidade se apresenta, trazendo uma multiplicidade de imagens construídas no mesmo mundo social e pessoal que, ainda conforme observações de Paden, podem um dia não ter mais importância, mas no mundo de hoje fazem parte do cultural e educacional (2001:234).

Observando os dados selecionados vamos tentar buscar os significados dessa falta de significado. Chamamos de falta de significado o desinteresse ou a reserva quanto a prestar as informações, que pode residir no conflito em definir religião e religiosidade e o fato de se compreender religião como algo ligado à vida privada do cidadão, não se observando que a religião é uma manifestação cultural que acompanha os tempos, ligada de forma natural ao movimento dado pela história e pelos fatores sociais, sendo perceptível na esfera pública, assumindo múltiplas formas na análise concreta nas biografias das pessoas (Pace:1999:34).

Percebemos a dificuldade em assumir uma pertença religiosa quando ela poderia ser mal interpretada. Observamos casos de magistrados que se fizeram presentes, por exemplo, no encontro de magistrados espíritas e, ao assumirem uma pertença religiosa no momento do preenchimento da ficha, registraram apenas serem cristãos, o que pode também estar nos sinalizando a existência dissimulada de um transeunte religioso, que é aquele que experimenta várias formas religiosas, mas não possui território cultural ou religioso demarcado, e que, conforme observa Sandra Duarte de Souza, citando Leila Amaral, esse tipo possui uma religiosidade desencarnada.(2003:164).

Nos casos em que se nega pertença religiosa ou declararem-se católicos não praticantes, percebe-se que em alguns casos as companheiras assumem o papel religioso na família, como se esta fosse uma responsabilidade feminina. A mulher tem uma pertença religiosa e a ela cabe o papel de cuidar espiritualmente da família.

Como as omissões foram muito grandes não podemos cometer a ingenuidade de generalizarmos os dados. As informações fornecidas, no entanto, proporcionam perceber a multiplicidade de formas religiosas que podem estar resguardadas, deixando entrever que a diversidade religiosa praticada na atualidade de forma discreta tem feito parte da vida dos magistrados. Conforme já anotamos, essa multiplicidade e diversidade podem ser percebidas mais claramente nos magistrados de concursos mais recentes, assim também como praticar esportes, acreditar em anjos ou comprar produtos esotéricos é uma prática assumida pelos mais jovens.

De qualquer maneira, embora tenhamos a impressão de que pelo material analisado não estamos tendo uma visão completa da complexidade religiosa que pode ser apresentada pelo grupo analisado, concluímos as observações que nos apresentaram um quadro em que a grande maioria se reconheceu como católicos.

Isso nos remete ao que observou Mallimaci em estudo sobre a religiosidade na Argentina, anotando que o catolicismo continua a ser importante, muito embora tenha perdido o monopólio (1999:73 -92), mas também nos coloca frente ao que vem sendo observado nos estudos das ciências da religião de que se reconhecer como católico ainda é importante para as pessoas que nasceram católicas, é assumir o que historicamente foi legitimado, muito embora a sua prática religiosa esteja muito mais para o que especialistas chamam de religiosidade difusa e que está presente no processo atual de laicização da consciência.

Observamos também que essa classe ou grupo ainda não foi alcançado pelo surto neopentecostal tão crescente no Brasil nos últimos anos, estando aberto aos processos de hibridização, sem, no entanto, se exporem publicamente em andanças religiosas.

 

Bibliografia

BÍBLIA TEB. Paulinas/Loyola, São Paulo, 1995.

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Coordenadora do centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Especialista em História do Brasil pela PUC/MG. Especializanda em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.

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